Todos desejam aos familiares e amigos um "Guemar chatimah tovah" – que Deus nos sele para um bom ano. Os pais abençoam os filhos. Estes preparam-se para o grande momento. Inicia-se o Yom Kippur, o dia de prestação de contas através da reflexão intensa, de orações e de um prolongado jejum.
Vestidos de branco, como anjos, os herdeiros espirituais de quantos fugiram do Egito e estiveram no Monte Sinai recitam Avinu Malkeinu (nosso Pai, nosso Rei), proferem selichot (preces de perdão) e buscam no interior de suas pessoas a mais pura teshuvah (arrependimento).
Durante quase vinte e seis horas, as almas judias são postas à prova. É um dia de santidade. Não há comida. Não há bebida. Somam-se as preces a Deus. Cada qual deseja ser inscrito e selado no Livro da Vida. A fama, a busca do reconhecimento e a vaidade (que são igual a nada na vida de um judeu de verdade), nesse dia são especialmente deploráveis.
Moshe ben Maimon (Maimónides) ensina que o arrependimento abrange a todos, indivíduos e comunidades. É um tempo de perdão para o povo judeu em geral. Homens, mulheres, velhos e novos, todos se vergam à importância deste dia, quer estejam em Jerusalém, em Sydney ou no Porto.
Sucedem-se as batidas do punho no peito. Os crentes fazem um balanço de suas vidas, louvam o que fizeram bem, arrependem-se do que fizeram mal e assumem os seus erros. As ofensas contra Deus só podem ser perdoadas por Ele. As que foram cometidas contra o homem talvez possam ser perdoadas por cada qual num exercício de humildade.
Na manhã de Yom Kippur, a leitura da Torah repete o serviço religioso realizado, naquele dia, pelo Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) no Templo Sagrado em Jerusalém e, já antes, no Tabernáculo. Nessa ocasião, o Cohen Gadol não usava a sua habitual vestimenta ornamentada de ouro, mas sim simples roupas brancas.
Aquele Templo, que pertencia a toda a humanidade, estava assente num local sagrado. O Talmude conta que no lugar do Templo terão vivido outrora dois irmãos que haviam recebido o terreno por herança. Cada irmão vivia numa parte do terreno. Um deles tinha uma numerosa família, ao passo que o outro era solteiro e sem filhos.
Durante uma noite de nevoeiro, o irmão solteiro saiu de casa e empurrou o marco divisório da propriedade uns bons metros, em seu próprio prejuízo, decidido a doar parte do seu terreno ao irmão que tinha família e por isso mais necessidades. O irmão também saiu de casa naquela noite, chorando a solidão do outro, tendo empurrado o marco divisório da propriedade em benefício daquele. Na manhã seguinte, o marco estava no preciso local em que se encontrava no dia anterior. A história termina com os irmãos abraçados.
Yom Kippur implica que façamos um detalhado balanço de nossas vidas. A primeira pergunta pode ser justamente esta: Seremos realmente bons irmãos, fiéis, preocupados, incondicionais? Ou pelo contrário, somos maus irmãos, egoístas, despreocupados, totalmente negligentes?
Seguem-se mais perguntas, intermináveis. Seremos bons cônjuges, bons maridos, boas esposas, honrando a nossa alma gémea em todas as circunstâncias? Podemos considerar-nos bons amigos, desinteressados, disponíveis, dispostos a ajudar? Deus achará que somos bons pais, bons tutores e bons convivas, zelando pelo melhor para os nossos filhos? Honramos absolutamente os nossos pais, mesmo que já falecidos?
Em Yom Kippur recitamos a prece memorial Yizkor (lembrar) pelos nossos entes queridos falecidos. O elemento principal desta prece é a tzedakah (a caridade) que fazemos em mérito deles – antes ou depois do Kippur. Em geral, um décimo do que ganhamos não nos pertence. É para caridade. É uma entrega, não uma doação.
A parte final dos serviços religiosos deste dia inclui o toque do shofar (chifre de carneiro), que coincide com o momento em que cai a noite e o jejum termina. Então, finalmente, os olhares das pessoas cruzam-se, abandonando o estado de transe que por tantas horas os ligou ao Eterno. São agora olhares mais leves. A vida tem de ser retomada rumo ao novo ano. Sabemos como. Kadima (em frente).