Os Judeus comemoram Purim

Os transeuntes que hoje passaram pela sinagoga Kadoorie Mekor Haim supuseram estar na época de Carnaval. Em nenhuma outra altura do ano nos deparamos com centenas de pessoas fantasiadas, muitas rainhas, um Homem-Aranha, um Homer Simpson e gorilas caminhando pelas ruas.

Não há razão para alarme. A algazarra foi breve e limitada ao espaço referido, bem como a casas particulares. Celebrou-se Purim, um feriado judaico que comemora um importante acontecimento ocorrido na Antiga Pérsia. O povo judeu foi salvo da trama de um homem de nome Haman, então primeiro-ministro e principal conselheiro do rei persa, que desejava assassinar todos os judeus, jovens e velhos, crianças e mulheres, num único dia.

Purim é celebrado com doces, bebidas saborosas e vinho, que os Sábios do Talmude recomendam que seja tomado em grandes quantidades. Nos países caribenhos Suriname e Curaçao, ao festim de aparência carnavalesca soma-se o fogo de artifício que dura vários dias.

Trata-se de um dia feliz. Das pessoas mais simples às mais eruditas, todas compartilham histórias alegres para multiplicar a alegria da data. Os celebrantes fantasiam-se não apenas para despertar o contentamento, mas porque tal reflete o modo disfarçado como Deus tantas vezes opera por trás de evento naturais.

O dia que antecede Purim é um dia de jejum, tal como naquele tempo tão longínquo Esther jejuou pedindo a Deus para que salvasse o seu povo. Damos apoio financeiro ou doutra natureza a pessoas necessitadas, que existem em todas as épocas e lugares. Usualmente quem agradece em primeiro lugar é aquele que doa o bem ofertado, não aquele que o recebeu. Dar é uma obrigação religiosa.

A história de Purim ocorreu no século V antes da Era Comum e teve como figura principal a rainha Esther, que devido à sua extrema beleza foi escolhida pelo rei persa Achashverosh para sua esposa. Esther manteve a sua identidade judia em segredo naquele imenso Império que abrangia mais de uma centena de países. Todos os judeus eram súditos. Mordechai era o líder do povo judeu na Pérsia. Esther era a sua sobrinha.

Um dia Haman levou a mal o facto de Mordechai não se ajoelhar diante dele e isso bastou-lhe para elaborar um plano tendente ao genocídio de um povo apátrida. O Holocausto não foi ideia dos nazis. Outros a tiveram, têm e terão.

Nada poderia travar Haman. Era um homem realmente poderoso. Tinha a confiança do rei. Dirigia a Pérsia. Os judeus eram nulidades diante dos seus poderes conquistados à custa de muitos anos de dedicação e trabalho à causa persa. O dia do genocídio estava a chegar.

No entanto, Haman estava completamente errado. A ideia de justiça está impregnada na racionalidade que cerca o Universo. Uma única pessoa improvável bastou para reverter repentinamente toda a situação. Usando de toda a sua magia enquanto judia e enquanto mulher, Esther revelou ao rei o maléfico plano elaborado sem o seu conhecimento. Achashverosh odiava ser enganado.

A sentença do rei foi lesta. Haman foi enforcado com a mesma corda que cuidadosamente preparara para Mordechai. A sua soberba e a sua maldade foram penduradas com ele. Assim acabou um homem portentoso que, uma hora antes do seu enforcamento, acreditava ser invencível.

Os judeus sobreviveram. E festejaram nas ruas. Passaram dois milénios. Festejamos até hoje, voltando-nos com tenacidade para a nossa fonte de força e rejeitando o que seja contrário à nossa cultura profunda. O povo judeu bateu-se contra todos os grandes impérios. Estes foram sucumbindo um a um. O pequeno povo continua vivo.

Antes, durante e depois do desastre da Shoá, Estaline lidou com o "problema judaico" à sua maneira. No início da década de 50, o seu espiral de ódio aos judeus deixou de olhar a limites. Inventou conspirações, ordenou execuções e adoptou um caminho de perseguição desenfreado. Algo insólito sucedeu em Purim. Não apareceu Esther para salvar o seu povo, mas a natureza levou a vida do cruel ditador.

A minha pequena filha chama-se Esther, que em hebraico significa "oculta". A rainha Esther era uma senhora de uma humildade, modéstia e despretensiosidade raras. Casou com o rei da Pérsia porque a isso foi obrigada. Manteve sempre a simplicidade mais contagiante. Era amada por todos no palácio.

De acordo com a tradição judaica, Deus coloca cada qual onde ele precisa de estar para cumprir a sua missão na vida, seja qual for a condição, latitude, cargo ou profissão. Todos os seres humanos possuem qualidades que subitamente podem transformar os eventos ao seu redor sem necessitarem de estar expostos aos holofotes da fama e da tagarelice.

Fonte: Diário de Notícias