Por Gabriel Senderowicz, Presidente da CIP/CJP
1. Uma conveniente notícia foi publicada em 24 de junho do corrente com os ataques do costume dirigidos à Comunidade Judaica do Porto. Fala-se em "críticas nas redes sociais" por mais um caso de “venda” de passaportes portugueses, numa lei transformada em "loja de passaportes” por uma Comunidade que "negociava" processos de sefardismo, com recebimento prévio de um donativo supostamente avultado, para dar a nacionalidade a um indivíduo - Nethaniel Drew - "sem antepassados portugueses nas últimas 20 gerações" e "sem que praticasse a fé judaica de acordo com os ritos sefarditas" que a Comunidade supostamente exige.
2. De facto, na referida notícia pode ler-se designadamente o seguinte:
“Influenciador fez um donativo à Comunidade Israelita do Porto, que antes da detenção do rabino pela PJ, negociava o processo de comprovação das descendências sefarditas a cidadãos estrangeiros.
O Youtuber terá feito um donativo à Comunidade Israelita do Porto que o ajudou com todo o processo, indicando-lhe até um advogado que o ajudou a comprovar a descendência sefardita. No vídeo Nathaniel Drew explica que não tem antepassados portugueses “pelo menos nas últimas 20 gerações”. Apesar disso, conseguiu comprovar que tem descendência de sefarditas do lado paterno.
A história deste Youtuber americano está a provocar várias críticas nas redes sociais, onde se fala em mais um caso de “venda” de passaportes portugueses à luz da lei da nacionalidade.
João Paulo Batalha, ex-diretor da associação Transparência Internacional Portugal diz que este caso “é, mais uma vez, uma demonstração de como a lei da suposta reparação histórica dos sefarditas é uma loja de passaportes”.
Para o consultor na área do combate à corrupção, “o que é exposto no vídeo é até contraditório com os critérios que a Comunidade Israelita do Porto dizia seguir nos processos. João Paulo Batalha explica que, “entre outras coisas, a comunidade exigia aos requerentes, não só a ligação a uma comunidade ancestral, mas que continuassem a praticar a fé judaica de acordo com os ritos sefarditas”. No vídeo, Nathaniel Drew explica que não é religioso, não fala o dialeto e que não mantém ligações culturais aos sefardita.”
3. Até aqui o jogo. Vamos aos factos.
4. Os elementos de prova que permitiram certificar Nethaniel Drew (De Pas) foram os seguintes:
- Registros de cemitérios.
- Genealogia conhecida.
- Apelidos.
- A avó de Nethaniel, Liliana De Pas, nascida em 10 de agosto de 1942, pertencia a uma família tradicional de origem portuguesa e castelhana, que vivia no Egito.
- O pai de Liliana, Yakov de Paz, nasceu no Egipto em 05 de setembro de 1917.
- Yakov era filho de David De Paz, nascido na Turquia no século XIX e que rumara para o Egipto.
- O apelido De Pas, Pas ou Paz, era comum no Norte de África, entre os descendentes de deportados de Portugal e Espanha, constando não apenas na comunidade sefardita egípcia, mas também na Líbia e na Tunísia, conforme as listas que a CIP/CJP dispõe e usava como material de trabalho.
- O apelido De Pas consta nas listas de ketubot (contratos de casamento) da Comunidade Judaica Portuguesa de Túnis, conforme as listas que a CIP/CJP igualmente dispõe.
- O nome Paz (Pas) é um dos apelidos condenados pela Inquisição portuguesa, conforme as listas que a CIP/CJP usa(va) para trabalhar.
- O sefardismo ibérico da família de Liliana foi igualmente afiançado por um certificado do rav Baruch Garzon, ex-Chefe Rabino de Madrid, que o requerente Nethaniel Drew juntou aos seus elementos de identificação, genealógicos e aos registros de cemitérios.
5. O requerente foi devidamente aprovado pelo rabinato do Porto, pagou o emolumento de €250,00 e iniciou o seu processo de obtenção da nacionalidade, na Conservatória, sob a tutela do seu advogado, um israelita que apresentou o caso à CIP/CJP desde a primeira hora.
6. O requerente hoje é português, para o que a lei não exige que resida em Portugal, que fale português ou que pratique ritos sefarditas.
7. As agressões deste género contra a Comunidade Judaica do Porto começaram no início de 2020, quando um grupo de políticos, jornalistas e influencers resolveram destruir o direito à nacionalidade dos judeus de origem sefardita.
Nessa altura, Blaise Baquiche, um descendente de judeus de origem egípcia, foi usado para denegrir a Comunidade judaica do Porto, porque supostamente não era judeu de origem sefardita, ao que ele respondeu publicamente, explicando que os seus familiares eram sefarditas dos quatro costados e que eram membros da comunidade judaica do Porto desde a década de 1960, ao ponto de um deles – Henry Tillo -, ter sido Presidente da Associação Industrial do Porto, ter criado a Exponor e ser amigo próximo dos autarcas Rui Moreira, Rui Rio e outros vultos da cidade.
8. Em 2022, agora, voltou a ser usado, contra a mesma Comunidade, um outro descendente de judeus sefarditas egípcios, desta feita Nethaniel Drew.
9. Blaise Baquiche e Nethaniel Drew são ambos filhos de pais judeus sefarditas, considerados como judeus inteiros pelas tendências liberais do judaísmo, pelo Estado de Israel e, nesse quadro, pela Comunidade judaica do Porto, que jamais pretendeu ser acusada de defender unicamente a ortodoxia judaica no que tange ao direito à nacionalidade dos descendentes de judeus sefarditas. O argumento da "crença religiosa" continua a ser brandido por quem não entendeu que ser judeu é uma genealogia.
10. A lei dos sefarditas não é “uma loja de passaportes”. A nova expressão, contudo, será muito útil para o museu judaico do Porto, para consumo de crianças e turistas.
Porto, 26 de junho de 2022.