Conta-se que, um dia, o Imperador Napoleão Bonaparte ouviu vozes de sofrimento que promanavam do interior de uma sinagoga, onde homens e mulheres, sentados no chão e celebrando Tisha B"Av, lamentavam a perda do Templo de Jerusalém. O Imperador, ao escutar a explicação daquele pranto e luto, exclamou que uma nação que é capaz de recordar as suas derrotas ocorridas há milénios nunca poderá ser vencida.
Hoje à noite inicia Tisha B'Av. Neste dia de jejum para as comunidades judaicas lamentam-se as maiores tragédias ocorridas na história do povo judeu e, em particular, a destruição do Primeiro e do Segundo Templo de Jerusalém. Nas sinagogas do mundo inteiro lê-se a Megilat Eichá (o Livro das Lamentações) escrito pelo profeta Jeremias em resposta à calamidade que os Babilónios fizeram abater sobre Judá.
Aquela leitura sempre impressiona e continuará a impressionar os judeus de todas as idades, que desta forma vão conhecendo melhor a história dos seus ancestrais.
Naquela época, a nação judaica tornou-se imundície e refugo entre as nações. Por todo o lado havia devastação e ruínas. Consumiram-se na morte as cidadelas, os monumentos, as fortalezas. A herança judaica passou a pertencer a estranhos. Tantas foram as vítimas da espada! Tantas foram as vítimas da fome!
Os adversários do povo judeu tornaram-se os novos amos, brutais, invejosos e implacáveis. Fizeram jus ao que deles se esperava, rangendo os dentes quando usavam a espada e o fogo. Mas os amigos de Judá desiludiram-na, porque traíram-na, abandonaram-na, deixaram-na à sua sorte. Alguns mesmo tornaram-se seus inimigos também.
Legiões de novos escravos foram separados das famílias e levados para o exílio. Os líderes do povo judeu pelas mãos foram pendurados. Príncipes cuja aparência enegreceu mais que fuligem, não eram reconhecidos nas ruas, com a sua pele encarquilhada sobre os ossos.
Por entre o fumo da devastação, olhos bondosos vertiam torrentes de água. Os maldosos ocupantes violaram mulheres e donzelas em Sião e por todas as terras de Judá. Criancinhas e lactentes desfaleciam por todo o lado. As suas almas puras confrontavam-se com o apogeu das impurezas humanas e adormeciam para sempre no colo de suas dóceis mães.
A cidade de Jerusalém, que era a princesa entre as províncias, tornou-se uma tributária. No meio de uma tragédia de tão grandes proporções, o Templo foi arrasado, os seus bens sagrados pilhados, os sacerdotes assassinados nos locais de oração.
Tudo isto aconteceu com os Babilónios. Repetiu-se com os Romanos muito tempo depois. Aqueles dois grandes Impérios extinguiram-se, como os Egípcios, os Assírios, os Persas e muitos outros. Já os judeus, permanecem vivos, apesar de terem sido cruelmente perseguidos, em todas as épocas, por todo o mundo, alvos de pogroms, de inquisições, de fogueiras, de pilhagens, de campanhas de difamação organizadas por agentes de Estado, de todas as maleitas imagináveis.
Na Europa, onde existiam 9,5 milhões de judeus, há hoje pouco mais de 1 milhão. A terrível Shoá, que os antissemitas modernos confundem deliberadamente com a palavra holocausto em letra pequena, antecedeu as expulsões de 1 milhão de judeus dos países árabes.
O massacre dos judeus e o saque dos seus bens manteve-se no caminho dos séculos, em todos os lugares.
Apesar de tudo, como sempre se canta nas sinagogas e nos lares judaicos, "Am Yisrael chai!", o povo judeu está vivo. Esta sobrevivência não é só um milagre. Radica também no dever da memória. "L"dor Vador", que em hebraico significa "de geração em geração", e é um segredo para perdurar. A transmissão do judaísmo atravessa as gerações - que se reconhecem herdeiras da história, da cultura e da identidade como povo.
No final, verificar-se-á que Napoleão tinha razão.
Fonte: JN