O incitamento ao assassinato de judeus e a promoção descarada do antissemitismo deveriam ser uma linha vermelha, e parece ter sido ultrapassada.
Como licenciado em Relações Internacionais – e tanto na abordagem teórica como na prática - achei um pouco confuso o artigo de Clara Não no Expresso do dia 13 de novembro.
Deve haver uma linha vermelha quando falamos em nome da liberdade de expressão? Por exemplo, se alguém promove o fascismo? O nazismo? O neonazismo? Sim, deve haver.
O incitamento ao assassinato de judeus e a promoção descarada do antissemitismo deveriam ser uma linha vermelha, e parece ter sido ultrapassada.
O neorrealismo afirma que não só os países lutam pelo poder e protegem a sua integridade e soberania, mas também os intervenientes não-governamentais. Organizações terroristas como o Hamas, o ISIS, a Al-Qaeda, os Taliban, a Jihad Islâmica e o Hezbollah são organismos não-governamentais. O artigo da Clara não mencionou esse facto e trata os governantes de Gaza - o Hamas - como palestinianos.
Será isso apenas ignorar o facto de que o Hamas não é a Autoridade Palestiniana, mas sim uma organização que executou membros desta última quando tomou o controlo de Gaza em 2007, atirando-os dos telhados e arrastando os seus corpos atrás de motorizadas? Não, não é só isso.
Está também a ignorar o facto que, a partir de 2005, Israel se desligou completamente de Gaza, deixando as pessoas que lá vivem governarem-se a si próprias.
Está também a ignorar o facto de Israel ter deixado para trás infraestruturas prósperas para a agricultura, o comércio e a exportação e, em vez de aproveitar isso para o crescimento económico de Gaza, o Hamas incendiou as fábricas e usou-as como base para lançar foguetes contra Israel.
Está também a ignorar o facto de 30% dos referidos foguetes caírem dentro de Gaza, matando civis de e em Gaza e destruindo a infraestrutura elétrica que Israel fornece ao território – não por causa de qualquer obrigação legal, tal como Portugal não é obrigado a fornecer eletricidade a Espanha, mas fruto de valores e padrões morais que Israel mantém – e que nenhum outro vizinho dos palestinianos faz.
Ignorar estes factos levanta, pelo menos, duas questões:
A primeira é: porque é que a Clara os ignora? Ela não está do lado do realismo ou do neorrealismo, é feminista mas ainda “só em construção”, não se trata de liberalismo institucional, marxista ou pós-modernismo. Clara Não demonstra puro antissemitismo, nutrido por teorias raciais velhas de 80 anos e libelos de sangue contra judeus ao estilo tardo-czarista, pré-União Soviética.
A segunda questão é o dar-se palco a uma narrativa destas.
Números reais e números falsos: é preciso um leitor cuidadoso para os identificar, mas estão lá.
Comparar o número de pessoas que morreram, por exemplo: muitos dos casos de morte em Gaza são causados diretamente pelo Hamas e pela Jihad Islâmica. Veja-se o lançamento falhado de um foguete que cai em Gaza e mata crianças apoia a propaganda do Hamas de crianças que morrem. Difundir números falsos, como no caso do hospital Al-Ahli (que foi atingido pelo foguete da Jihad Islâmica), afirmando que morreram 500-750 pessoas pela mão de Israel – quando mais tarde se descobriu que 39 pessoas morreram (e não por responsabilidade de Israel).
Se o Hamas afirmou ter contado 500 corpos no minuto e meio desde o momento em que o hospital foi atingido até ao momento em que tentou, falsamente, culpar Israel - e se se provou que o Hamas mentiu -, porque é que a Clara aceita os números publicados pelo Hamas como verdade? Qual é a sua agenda para apoiar uma organização terrorista e servir como instrumento consciente da sua propaganda?
Quanto aos números reais: graças aos ensinamentos da Jihad e à consequente importância de se tornar “Shahid” com que o Hamas doutrina o povo de Gaza (e alguns elementos na Cisjordânia) ao longo dos últimos 18 anos assistimos, em Gaza, ao culto pelos mártires e à celebração da morte. São distribuídas guloseimas quando morrem judeus - e os terroristas que se explodem e levam consigo o maior número possível de judeus, cristãos, ateus e membros LGBTQ+ – são elogiados, homenageados e as suas mães celebram a morte dos seus filhos como mártires.
Dado que o Hamas utiliza a população de Gaza para defender a sua infraestrutura terrorista, usando-a como escudo humano, disparando a partir de escolas, hospitais e mesquitas e colocando, propositadamente, civis em perigo, “descobriram” que há mais vítimas do lado de Gaza do que do lado israelita. Com efeito, Israel tem preferido usar as suas capacidades de defesa para proteger os seus cidadãos.
Mais alemães morreram na 2.ª Guerra Mundial do que britânicos. Será a Alemanha, no contexto da 2.ª Guerra Mundial, e segundo a lógica distorcida da Clara, a vítima?
Clara Não cita quem escreve sobre “limpeza étnica” e “genocídio”, mas opta por esconder os factos: em 1948 a população palestiniana era de 1,37 milhões de pessoas, e em 2023 é de 5,37 milhões. “Genocídio” não é.
Os únicos que apelam ao genocídio e à limpeza étnica são os manifestantes “pró-Palestina” que querem uma Palestina livre “do rio ao mar” – ou seja – a erradicação de todos os judeus. Esta é mesma retórica usada por teóricos raciais de outros tempos só que com novas roupagens: matar judeus na Europa de então vs matar judeus na sua terra natal, hoje.
Nem a Clara nem aqueles manifestantes se importam verdadeiramente com os palestinianos, porque se o fizessem ouviriam as suas vozes a pedir para serem libertos do Hamas; ou notariam os 20% de Israel que são árabes (muçulmanos e cristãos) e que não apenas apoiam Israel na sua luta contra o terrorismo mas voluntariaram-se ativamente, juntando-se às forças de defesa que lutam contra o Hamas. Esta é a dura verdade do antissemitismo: nunca foi sobre os palestinianos. Estes são uma ferramenta de propaganda nas mãos dos antissemitas, tanto quanto são uma ferramenta barata nas mãos do Hamas.
“Colonização”. Verificação de factos: em 125 d.C., o imperador Adriano renomeou a (província) Judeia para “Palestina”, em homenagem aos filisteus que tinham lá estado 500 anos antes. Não teve nada a ver com as tribos árabes nómadas que lá chegaram mil anos depois. Os judeus foram exilados da sua terra natal, que foi colonizada pelos romanos (170 a.C), tribos árabes (cerca de 660 d.C), os cruzados (cerca de 1099 d.C), mamelucos (muçulmanos não-árabes, cerca de 1260), otomanos (1516) e Grã-Bretanha (1918-1948). Depois de tudo isto, os judeus reconstruíram a sua casa na sua terra natal. A existência de Israel é exatamente o oposto de colonização.
O que Clara Não afirma sobre o uso da religião para prejudicar inocentes não explica porque é que o Hamas, na sua carta fundacional, afirma que matará pessoas com base na sua religião, tanto melhor se forem inocentes. Israel, por outro lado, nunca teve e nunca terá como alvo inocentes – e tem mostrado, repetidamente, como a sua missão de destruir depósitos de armas de grupos terroristas é abortada porque o Hamas enviou crianças para os telhados dos edifícios onde estão esses depósitos.
O argumento que ela apresenta vai na direção errada.
Os hospitais em Gaza não deviam ser usados como quartéis-generais para o terrorismo do Hamas. Nem as mesquitas, as escolas, os jardins de infância e as instalações da ONU ou as ambulâncias deveriam sê-lo. No entanto, infelizmente, o Hamas está a usá-los porque quer que pessoas que escrevem para muitos, como a Clara, possam dizer que são estes os alvos de Israel.
Antidsemitismo moderno vs antidsemitismo clássico
A ligação entre a Rússia, o Irão, o Catar, o Hezbollah e o Hamas perde-se para a Clara. Houve uma invasão no dia 7 de outubro mas não foi por parte de Israel. Houve um assassinato seletivo de inocentes nos kibbutz, mais de 1.400 pessoas massacradas – pelo Hamas. Houve violações, pessoas queimadas vivas e decapitações – pelo Hamas, ao estilo do ISIS – e até bandeiras do ISIS foram encontradas nos terroristas que se infiltraram no kibbutz Sufa, entretanto mortos pelas forças de defesa israelitas.
A Clara não condena o Hamas, ou o ISIS, ou o Irão, mas condena a UE por estar contra o terrorismo. Por é que não condena o terrorismo?
Porque prefere usar o seu palco para condenar os judeus e o Estado judeu menosprezando a memória de todos quantos morreram no Holocausto e tentando legitimar – não apenas a abordagem anti-Israel que é o antissemitismo moderno mas o antissemitismo clássico que os judeus têm sofrido muito antes dos nazis ou da inquisição.
Coloquemo-nos um cenário e uma questão: digamos que o Hamas era vizinho de Portugal. Disparava 10.000 foguetes sobre Lisboa, Porto, Coimbra e Lagos e depois entrava no país e matava 1.400 pessoas – na sua maioria mulheres e crianças – violando, mutilando, decapitando e queimando vivas essas pessoas – será que Clara Não ainda encontraria formas de justificar isto?
Apesar da Clara e do que ela escreve, Israel continuará a lutar pela paz, como fez com o Egito, a Jordânia, os EAU e o Bahrein – e, um dia, fará com os palestinianos.
Fonte: Expresso